O laboratório, que desenvolve uma vacina contra a Covid em parceria com a BioNTech, afirma que a Anvisa demanda análises específicas e mais tempo de preparação.
A Pfizer divulgou, nesta segunda-feira (28), uma nota em resposta a uma declaração do presidente Jair Bolsonaro a respeito de uma suposta falta de interesse dos laboratórios de venderem vacinas para o Brasil. A Pfizer desenvolve uma vacina contra a Covid em parceria com a BioNTech e afirma que a Anvisa demanda análises específicas e mais tempo de preparação.
Pela manhã, o presidente Jair Bolsonaro recebeu apoiadores na entrada do Palácio da Alvorada. E declarou a eles: “O Brasil tem 210 milhões de habitantes, então, um mercado consumidor de qualquer coisa enorme. Os laboratórios não tinham que estar interessados em vender para gente? Por que que eles, então, não apresentam a documentação na Anvisa? Pessoal diz que eu tenho que ir atrás. Não, não. Quem quer vender… Se eu sou vendedor, eu quero apresentar”.
E voltou a dizer que que não está preocupado com pressão para que o Brasil tenha logo uma vacina: “Eu falei que não estava preocupado com pressão. Falei mesmo. Porque nós temos que ter responsabilidade. Certas coisas não podem ser correndo. Você está mexendo com a vida do próximo. Agora, se eu vou na Anvisa, que é um órgão de Estado, ‘corre aí, não sei o que lá’, eu estou interferindo”.
Horas depois, a Pfizer no Brasil divulgou uma nota, dizendo que “no dia 14 de dezembro, realizou uma reunião com a Anvisa para esclarecer dúvidas sobre o processo de submissão para uso emergencial”; que “as condições estabelecidas pela agência requerem análises específicas para o Brasil, o que leva mais tempo de preparação”.
Disse também que a “submissão de uso emergencial também pede detalhes do quantitativo de doses e cronograma que será utilizado no país, pontos que só poderão ser definidos na celebração do contrato definitivo”; e que “tendo em vista as particularidades do Guia de Submissão para Uso Emergencial, da Anvisa, entende a submissão contínua” – isto é, pedido de registro definitivo – “é o processo mais célere neste momento”.
A empresa informou que “já submeteu à agência, pelo processo de submissão contínua, os resultados da Fase 3 dos estudos, o que significa mais um passo rumo à aprovação da vacina”.
Segundo a Pfizer, a nota foi em resposta às declarações do presidente Bolsonaro e uma demonstração de que “quer, sim, vender para o Brasil, mas que o processo aqui exige mais tempo”. Um exemplo, segundo a Pfizer, é a solicitação de uma análise específica para a população brasileira. Agências de outros países que possuem o processo de uso emergencial analisam os dados em sua totalidade e não pedem esse recorte.
A Anvisa diz que está à disposição dos laboratórios para discutir os requisitos para viabilizar vacinas seguras e eficazes para a população brasileira. A diretoria da agência, que é responsável pela análise das vacinas, chamou a Pfizer para uma reunião nesta quarta-feira (30).
De acordo com o último boletim da Anvisa, dois laboratórios entregaram resultados parciais dos estudos da fase 3: a Pfizer no dia 5 de dezembro e AstraZeneca/Fiocruz no dia 22. Além dos dados de eficácia e segurança das vacinas, que ainda aguardam resposta da Anvisa.
A Pfizer também espera a aprovação de outros dois documentos. AstraZeneca tem pendente outra etapa, a avaliação de qualidade. Sinovac/Butantan e Janssen ainda não apresentaram os estudos da fase 3 das vacinas. Nenhum laboratório fez ainda o pedido de uso emergencial, o que, segundo a Anvisa, pode ser feito com a fase 3 de testes em andamento. Portanto, as vacinas da AstraZeneca e da Pfizer já podem ser encaminhadas para o pedido.
Em nota enviada ao Jornal Nacional, o Instituto Butantan disse que “uma equipe da Anvisa esteve na fábrica da Sinovac no início de dezembro realizando uma auditoria no local, e atestou que o complexo atende a critérios internacionais de boas práticas. A agência também autorizou a realização dos testes clínicos de fase 3 no Brasil e a importação de cerca de 11 milhões de doses da vacina. Os resultados finais de eficácia da vacina deverão ser submetidos pelo Butantan à Anvisa até 7 de janeiro”.
Em nota, a Janssen disse que “está focada no desenvolvimento clínico de sua candidata à vacina contra a Covid-19, com estudo de fase 3 em andamento no Brasil e em outros países. A previsão é que os resultados preliminares do estudo estejam disponíveis até o final de janeiro de 2021”.
A AstraZeneca e a Fiocruz não se pronunciaram.
Especialistas defendem que, quando uma agência internacional do porte da FDA, o equivalente à Anvisa nos Estados Unidos, já atestando a vacina da Pfizer, por exemplo, a negociação tem que ser imediata, e que o Brasil já está muito atrasado e não pode mais esperar.
“Quando a gente tem, em um estado emergencial, um FDA, uma agência regulatória nos mesmos moldes da Anvisa, de grande importância, a negociação tem que ser imediata. O que nós precisamos ter, e as pessoas têm que ter em mente, que as vacinas entrem rapidamente nesta prateleira para beneficiar a população”, avalia Sergio Cimerman.
Além dos Estados Unidos, as agências sanitárias de mais de 40 países já autorizaram o uso emergencial ou definitivo da vacina da Pfizer. Entre eles, os 27 membros da União Europeia, o Reino Unido, Israel e alguns dos nossos vizinhos como Chile e Argentina.
O JN procurou a Anvisa para comentar a nota da Pfizer. A agência declarou que os requisitos citados pelo laboratório não são impeditivos da solicitação para uso emergencial desde que a empresa demonstre que os benefícios da vacina superam os riscos.
*Atualização: após a exibição da reportagem, a AstraZeneca enviou a seguinte nota:
“A AstraZeneca está empenhada e trabalhando com a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e outras agências regulatórias para trazer a vacina para o Brasil, e para todo o mundo, o mais rápido possível. A empresa está seguindo o processo de submissão contínua junto à ANVISA e confirma ter enviado todos os dados clínicos de segurança e eficácia disponíveis à Agência reguladora na última semana.
A empresa continua trabalhando com governos, organizações multilaterais e colaboradores em todo o mundo para garantir acesso amplo e equitativo à vacina, sem lucro durante a pandemia.”